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Ministério Público intensifica ações para dar maior proteção à caatinga

Publicado em 24/04/2025 às 10:50 edição Lenilde Pacheco


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Meta é aprimorar o controle sobre a supressão de vegetação - Foto: Depositphotos/BNDES

Com o objetivo de fortalecer a proteção e recuperação da vegetação nativa e da biodiversidade da Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro e um dos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) lança o projeto Caatinga Resiste. A iniciativa reunirá esforços dos Ministérios Públicos de nove estados inseridos no bioma – Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais –, em parceria com órgãos estaduais de fiscalização.

Além de fortalecer as fiscalizações por meio do trabalho conjunto, o projeto visa promover a transparência e a correta atualização dos dados no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) e das Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV), conforme as diretrizes estabelecidas na Nota Técnica da Abrampa. Prevê, ainda, o levantamento dos principais remanescentes da Caatinga e das Áreas Prioritárias para Recuperação do bioma, bem como fomentar o processo de validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no bioma.

“O alto índice de desmatamento irregular na Caatinga demonstra a necessidade urgente de ações coordenadas entre os Ministérios Públicos e os órgãos ambientais. Nossa meta é aprimorar o controle sobre a supressão de vegetação, assegurar maior transparência na regularização ambiental e impulsionar a responsabilização de infratores, contribuindo para a proteção desse bioma tão singular e essencial para o equilíbrio climático e para as comunidades que dele dependem”, ressalta Alexandre Gaio, promotor de Justiça, presidente da ABRAMPA e idealizador do projeto.

A promotora de Justiça do MPSE e coordenadora do projeto, Aldeleine Barbosa, destaca que “considerando a importância do bioma como sumidouro natural de carbono, sua preservação é urgente e essencial, não apenas para proteger sua biodiversidade única, mas também para promover a sustentabilidade das comunidades do semiárido brasileiro, combater a crise hídrica na região e integrar uma estratégia de adaptação climática em um contexto global, dando especial atenção ao controle e reparação dos processos de desertificação nas áreas mais críticas do bioma, as quais têm avançado significativamente nos últimos anos”.

Entre os dez estados onde a Caatinga está presente, predominantemente na região Nordeste, o Ceará é o único totalmente coberto pelo bioma, seguido pelo Rio Grande do Norte (96%), Paraíba (92%), Pernambuco (84%), Bahia (62%), Sergipe (55%) e Alagoas e Piauí, ambos com 47%. No Sudeste, Minas Gerais é o único estado com cobertura de vegetação semiárida, ocupando 5% de seu território. Com a menor cobertura do bioma (1%), o Maranhão não registrou alertas de desmatamento para a Caatinga nos últimos anos e, portanto, não integrará a força-tarefa do projeto Caatinga Resiste.

Cenário do desmatamento na Caatinga

A crescente perda de vegetação nativa na Caatinga nos últimos anos tem gerado grande preocupação. As pressões das atividades econômicas, da exploração desenfreada dos recursos naturais e dos impactos evidentes das mudanças climáticas, como o aumento das temperaturas e as alterações nos ciclos hidrológicos, estão reduzindo sua capacidade de se autoregenerar.

Entre 1985 e 2023 (Inpe), o bioma perdeu aproximadamente 8,6 milhões de hectares, o equivalente a 14% de sua cobertura vegetal original. Atualmente, das áreas remanescentes, menos de 9% estão protegidas por unidades de conservação – federais, estaduais ou municipais. No entanto, destas, apenas 1,3% estão integralmente protegidas como áreas de uso restrito.

Dados do MapBiomas indicam que, em 2023, a Caatinga registrou um aumento de 43,3% no desmatamento em relação ao ano anterior, totalizando 201.687 hectares de vegetação nativa perdidos, representando 11% do total de desmatamento no Brasil. Os estados mais afetados são: Bahia, que liderou o ranking com um aumento de 34% em relação ao ano anterior; e o Ceará com um crescimento de 28%. Pernambuco foi o único estado que apresentou redução, com queda de 35%. Em todo o bioma, apenas 2,81% das áreas desmatadas não tiveram indícios de irregularidades, a menor porcentagem entre todos os biomas (MapBiomas).

A perda de vegetação, associada à fragmentação, às mudanças de uso da terra e às condições climáticas áridas e semiáridas, compromete a capacidade do solo de reter água e nutrientes, aumentando o risco de desertificação. De acordo com estudos do MapBiomas, 112 municípios da Caatinga classificados como Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) nos níveis “Muito Grave” e “Grave” já perderam aproximadamente 300 mil hectares de vegetação nativa, representando cerca de 3% da perda total no bioma.

Embora a expansão agropecuária tenha sido um dos principais impulsionadores do desmatamento na região, o avanço de empreendimentos de energia solar e eólica tem ampliado as ameaças ao bioma. Em 2023, a supressão de vegetação relacionada apenas a este setor aumentou 24%, somando 4.302 hectares, o Rio Grande do Norte foi estado que mais desmatou (1.369 hectares) com essa finalidade, um aumento de 372% em relação ao ano anterior (MapBiomas).

Os dados reforçam a urgência de medidas de fiscalização e controle, não apenas para coibir o desmatamento ilegal, mas também para monitorar os impactos de atividades econômicas na vegetação nativa.

Estratégia de fiscalização

Entre 2019 e 2023, apenas 8,53% das áreas desmatadas na Caatinga (85.873 hectares) foram alvo de ações de fiscalização, segundo o MapBiomas. O Caatinga Resiste visa reverter esse cenário, fortalecendo as políticas de combate ao desmatamento ilegal e implementando estratégias de fiscalização mais eficazes.

Inspirado na Operação Mata Atlântica em Pé, também atualmente coordenada pela ABRAMPA em conjunto com o MPMG, o projeto utilizará monitoramento por satélite do MapBiomas Alerta para identificar áreas de desmatamento ilegal. A partir dos alertas, os dados são cruzados com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) para detectar irregularidades.

Depois, a fiscalização é realizada por órgãos ambientais e polícias ambientais, tanto presencialmente quanto por meio de ferramentas de fiscalização remota. Se identificadas irregularidades, o Ministério Público adota medidas extrajudiciais e judiciais para garantir a reparação dos danos ambientais e responsabilização dos infratores, incluindo os danos causados ao sistema climático.

Ao final da operação, será apresentado o balanço final das áreas fiscalizadas, do número de processos instaurados e o total de multas aplicadas em reais.

Caatinga e mudanças climáticas

A Caatinga tem um papel fundamental no sequestro de carbono. Ela funciona como um sumidouro natural, absorvendo dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera, inclusive durante o período de seca. Um estudo liderado pelo Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma Caatinga (OndaCBC) revelou que o bioma é um dos mais eficientes do mundo em armazenar carbono, superando até mesmo as florestas da Amazônia em determinadas condições climáticas.

Segundo o mesmo estudo, ao longo de quase uma década, a Caatinga removeu, em média, 5,2 toneladas de carbono por hectare anualmente, equivalente a 527 gramas por metro quadrado. A perda de vegetação nativa, no entanto, compromete essa capacidade, contribuindo para o aumento das emissões de gases de efeito estufa e agravando as mudanças climáticas.

Sobre a Abrampa

A Abrampa é uma associação que reúne membros do Ministério Público de todo o Brasil, com o objetivo de promover a defesa do meio ambiente, da ordem urbanística e da justiça socioambiental, atuando de maneira integrada em diversas frentes de proteção ambiental.