Estudo alerta para aumento da temperatura na Amazônia e riscos à saúde da população
Publicado em 09/08/2022 às 08:17 edição Lenilde Pacheco
Aumento da temperatura ameaça a saúde da população - Foto: Exército
A temperatura do ar na Amazônia registrou aumento médio de 1°C nos últimos 30 anos, com impacto mais significativo em cidades mais populosas da região. É o que revela um estudo desenvolvido pelo Núcleo de Estudos sobre Clima e Saúde, formado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria com a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e Fiocruz.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram as médias climatológicas mensais da temperatura do ar para toda a Amazônia Legal (área que engloba nove estados do Brasil pertencentes à bacia Amazônica) e para os municípios da região com mais de 100 mil habitantes, em dois períodos distintos: de 1961 a 1990 e de 1990 a 2020. As informações foram coletadas a partir dos registros históricos do Banco de Dados Meteorológicos do Instituto Nacional de Meteorologia (BDMEP/INMET).
O comparativo mostrou um aumento médio de 3,4% da temperatura do ar, o que equivale a uma elevação média de 1°C entre os dois períodos. Apesar de aparentemente pequeno, o aumento da temperatura pode trazer riscos à saúde, como a morbimortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias, doenças renais, desidratação, além de expandir a área de circulação de vetores de doenças transmissíveis.
“Cabe ressaltar que esse aumento é um valor médio, mas alguns locais certamente experimentaram aumentos acima de 1°C. Além disso, o aumento foi maior nos períodos mais secos, que é justamente quando ocorrem as queimadas, impactando ainda mais a saúde da população”, explica o pesquisador Ismael Silveira, professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e coordenador do projeto “Clima e Saúde na Amazônia Legal”.
As regiões que registraram maior elevação da temperatura foram aquelas localizadas no sentido noroeste da Amazônia Legal, com destaque para o oeste de Roraima e a região conhecida como Cabeça do Cachorro, no Amazonas. Também houve aumento de temperatura próximo à costa atlântica, incluindo o estado do Amapá, Ilha do Marajó e região metropolitana de Belém, no nordeste do Pará. A média para o período de 1961-1990 mostra ainda um núcleo de temperaturas elevadas na região metropolitana de Cuiabá, que avançou significativamente no período de 1991-2020 para mais da metade do estado do Mato Grosso e sudoeste do Tocantins.
Ondas de calor
O estudo também avaliou a ocorrência das ondas de calor nos municípios da Amazônia Legal com mais de 100 mil habitantes. O INMET define ondas de calor quando a temperatura máxima diária atinge o valor de 5°C acima da média climatológica diária para o período e local de referência, e por, no mínimo, seis dias consecutivos.
Os dados indicam tendência de crescimento ao longo da série histórica, com ondas de calor cada vez mais intensas e frequentes, chegando a 690 ondas em 2015, considerado um dos anos mais quentes em todo o período analisado. “Em nossas análises mais recentes, temos percebido que os efeitos das ondas de calor são ainda mais superiores que os efeitos apenas das temperaturas elevadas. Sem o arrefecimento da temperatura, há uma sobrecarga ainda maior sobre o organismo para exercer os mecanismos termorregulatórios. Logo, temos um efeito ainda mais elevado sobre a saúde”, destaca Silveira.
Segundo o professor, o principal fator para o aumento da temperatura e da frequência de ondas de calor é o aquecimento global ocasionado pela emissão de gases de efeito estufa. Entretanto, outras questões mais localizadas podem estar contribuindo para esse crescimento, a exemplo do desmatamento, das mudanças na cobertura do solo e do processo de urbanização, elevando a temperatura das cidades e a formação de ilhas de calor.
“O Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à ONU, por meio de relatórios publicados periodicamente, tem apontado que as mudanças climáticas causadas pela humanidade são irreversíveis, mas ressalta que, se adotadas as medidas necessárias para a neutralização das emissões de gases de efeito estufa, ainda é possível alcançar a estabilização da temperatura, evitando consequências ainda maiores sobre diversas dimensões da vida”, avalia.
Outros desdobramentos
Apesar do crescente número de estudos sobre os impactos das ondas de calor na saúde, o professor Ismael Silveira observa que ainda há poucas evidências científicas direcionadas a países de média e baixa renda, regiões tropicais, com elevada densidade populacional, múltiplas vulnerabilidades e onde se espera um aumento mais elevado da temperatura e das ondas de calor.
“Embora a Amazônia esteja no centro dos debates sobre a crise climática, principalmente pelo seu papel na manutenção da biodiversidade e na retenção de carbono, há pouca discussão sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde de suas populações. É uma região que enfrenta uma sobreposição de desafios climáticos, socioambientais e sanitários”, afirma.
Para ele, é necessário investir mais em pesquisas que possam contribuir para a promoção de políticas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. “Precisamos ampliar o debate sobre os riscos à saúde relacionados à crise climática para todos os setores da sociedade”, destaca.
O projeto “Clima e Saúde na Amazônia Legal” está em fase de conclusão e, em breve, outros estudos devem ser publicados pela equipe de pesquisadores. Entre os desdobramentos previstos, está a investigação do efeito das ondas de calor com base nas causas de óbito e em populações específicas, a análise da situação de saúde na região e os impactos da exposição a poluentes atmosféricos decorrentes de queimadas e incêndios florestais.
“Esperamos aprofundar a análise da vulnerabilidade às mudanças climáticas relacionadas a determinantes socioambientais da saúde, examinar melhor o efeito sobre algumas populações específicas, além da interação com outros fatores, como a poluição do ar e o papel de algumas políticas públicas”, conclui Silveira.
Fonte: UFBA/Edgard Digital