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Das inundações ao café mais caro: O impacto cotidiano das mudanças climáticas

Publicado em 17/01/2024 às 07:09 edição Lenilde Pacheco


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Daniela Garcia, do ICCB: "urgência está mais clara do que nunca" - Foto: Divulgação

Por Daniela Garcia, CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil 

O coração econômico do Brasil, São Paulo, enfrentou mais um alerta para as mudanças climáticas. Na segunda semana do ano, tempestades intensas trouxeram inundações, deixando mais de 20 pontos intransitáveis na cidade em 7 de janeiro, segundo o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da prefeitura. O Corpo de Bombeiros atendeu 21 chamados por quedas de árvores, 56 por enchentes e alagamentos, e 2 por desabamentos na Grande São Paulo. Esses eventos mostram as fragilidades de nossa infraestrutura frente a condições climáticas extremas, fazendo uma ligação direta à falta de preparo vista no apagão do ano passado. São elos em uma corrente que destacam as mudanças climáticas presentes em nosso dia a dia, de norte a sul do país.

As inundações, extremo oposto às secas, que antes estavam restritas a áreas específicas, agora se estendem por várias partes do país, transformando ruas em rios e submergindo lares. Lembranças das ondas fortes na zona sul do Rio de Janeiro, pegando de surpresa os frequentadores das praias, permanecem frescas. O fenômeno causou perdas de pertences pessoais, exigindo a intervenção dos bombeiros para resgatar pessoas no mar, com trágicas consequências, incluindo a perda de um adolescente encontrado sem vida após quatro dias de buscas. Esse aumento de eventos está ligado diretamente ao fato de 2023 ter sido o ano mais quente globalmente, destacando as mudanças climáticas de forma concreta, redesenhando não apenas as paisagens urbanas, mas também evidenciando a crescente vulnerabilidade das comunidades costeiras diante do aumento do nível do mar.

Vamos falar sobre água. Se em algum momento abrir a torneira já foi um gesto trivial, agora, em diversas regiões do Brasil, tornou-se uma incerteza cruel. A escassez hídrica, intensificada pelas mudanças climáticas, não é mais uma preocupação futura, mas uma realidade que impacta a vida cotidiana de milhões de pessoas. Este cenário ganha contornos ainda mais específicos quando consideramos a Declaração de Situação Crítica de Escassez Hídrica emitida no final de 2023 pela Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) no Ceará. Em setembro, a instituição destacou uma situação alarmante de três Bacias Hidrográficas cruciais: Rio Curu, Sertões de Crateús e Médio Jaguaribe. Nestes locais, segue o risco iminente do não suprimento das necessidades garantidas por lei, principalmente para fornecimento de água à população local.

O ato aparentemente simples de lavar as mãos ou cozinhar se torna um lembrete diário e palpável da precariedade de nossos recursos hídricos, trazendo à luz a urgência de repensar e reestruturar nossas práticas de gestão da água.

As mudanças climáticas também têm impacto significativo na produção agrícola, resultando em aumento nos preços dos alimentos. Após consecutivos recordes, a colheita de grãos na safra 2023/2024 no Brasil deve diminuir 2,4% devido às condições climáticas adversas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A plantação de soja está com atraso, o milho está mais propenso a infestações de pragas, e a floração do café ocorreu mais cedo. Este panorama não só influencia os preços nos supermercados, mas destaca a fragilidade da nossa cadeia alimentar perante os desafios climáticos. Isso sublinha a importância de percebermos como vivemos em um planeta em risco.

À medida que eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes, abalando estruturas que antes considerávamos estáveis, é preciso confrontar a realidade: as mudanças climáticas deixaram de ser meras abstrações para se tornarem parte integral do nosso cotidiano. Do Amazonas ao Pampa, o Brasil experimenta diretamente as consequências desse fenômeno. Em meio a esse panorama desafiador, surge a inevitável reflexão sobre a origem dos preços elevados do café que degustamos diariamente, do azeite, da ração animal… Todos esses são exemplos tangíveis de aumentos não causados pela inflação comum, mas sim pela necessidade de ajuste de valores devido às transformações climáticas que impactam a produção agrícola e a cadeia de suprimentos. Em meio a esse cenário, é crucial compreender que a crise climática não apenas se manifesta nas mudanças atmosféricas, mas também reverbera em cada aspecto de nossa vida cotidiana, desde o café da manhã até as escolhas alimentares que fazemos.

As empresas têm uma responsabilidade essencial por desempenharem um papel vital na busca por soluções sustentáveis, não apenas para assegurar sua própria resiliência, mas também para contribuir com um futuro mais seguro para todos. A carência de dados e recursos pode complicar a tomada de decisões, mas precisamos superar essas barreiras para implementar medidas eficazes de adaptação climática. A difícil distribuição de recursos por gestores públicos também não pode ser uma desculpa para adiar ações necessárias, porque a médio e longo prazo a conta vai chegar, seja financeiramente ou pagando com vidas, como já estamos observando.

A urgência de agir está mais clara do que nunca e a colaboração entre setores público, privado, além da sociedade civil, é essencial para a construção de um caminho mais resiliente frente aos desafios impostos pelas mudanças climáticas.

Este é um chamado à ação, não só para clarear nossas cidades e evitar ficarmos submersos, mas para iluminar o caminho rumo a um futuro sustentável diante dos desafios que temos pela frente.