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Estudo da UFBA propõe soluções para uso de energia mais limpa e econômica

Publicado em 23/08/2021 às 10:27 edição Lenilde Pacheco


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Engajamento dos parceiros é imprescindível - Foto: Revolusolar/Divulgação

A falta de chuvas e o baixo nível dos reservatórios que abastecem o sistema de geração de energia no Brasil, encargos diversos e disputas judiciais no setor são fatores responsáveis pelo aumento progressivo do preço das contas de luz. Soma-se a geração de eletricidade de forma centralizada, a partir de grandes usinas, localizadas longe dos centros consumidores, com longas linhas de transmissão, que resultam na perda de energia e, ainda, aumentam o seu custo. Como enfrentar esse enorme desafio ambiental –  a fim de tornar mais barato e eficiente o sistema energético -, tornou-se, então, objeto da tese “Avaliação de Políticas Regulatórias para a Geração Distribuída no Setor Elétrico Brasileiro”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências, Energia e Ambiente, da Universidade Federal da Bahia pelo advogado Felipe Barroco Fontes Cunha.

O estudo coloca em discussão o modelo de distribuição da energia elétrica no Brasil e propõe alternativas mais racionais e econômicas. Segundo estimativa da Agência Nacional de Energia Elétrica, de cada 100MWh produzidos na geração centralizada, apenas 83MWh são efetivamente entregues e faturados, sendo a perda sistêmica total estimada em 13,5%. “O transporte da energia entre o local de produção e seu local de consumo gera necessariamente perdas em razão da resistência elétrica. Quanto maior a distância entre produção e consumo, maior a perda”, afirma o autor.

Barroco afirma que o modelo de geração distribuída, capaz de evitar tais perdas, deve ser uma tendência para o futuro do setor elétrico, embora seja incipiente no Brasil, onde a matriz energética é muito dependente das usinas hidrelétricas. O aumento do custo na energia, portanto, está diretamente relacionado à falta de chuvas. Conforme lembra o pesquisador, quando falta água, é acionado o chamado backup de geração térmica, mais cara e poluente, além de medidas como a adoção das bandeiras tarifárias que aumentam a conta dos consumidores.

Fontes renováveis

O trabalho defende a necessidade de uma transição energética baseada em fontes renováveis, de modo a diminuir as emissões de carbono e contribuir no enfrentamento ao aquecimento global, que é fruto de uma grave crise climática e ecológica. “O caminho é esse, principalmente para o Brasil”, afirma Barroco, destacando que o país tem já uma das matrizes elétricas mais renováveis do mundo e um excelente potencial para expandir sua geração através do sol e dos ventos, criando uma matriz 100% renovável até o ano de 2050.

“A tese focou em uma avaliação de cunho jurídico, com abrangência sobre outras áreas do conhecimento, como a engenharia e a economia; questões ambientais relativas ao aquecimento global e à transição energética. A análise se ateve à inserção da geração em sua modalidade distribuída no setor elétrico brasileiro, de modo que foram examinados os projetos de lei n.º 5829/2019 e 2215/2020, em tramitação no Congresso Nacional, além da proposta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para a reforma do sistema de compensação de energia, atualmente disciplinado pela Resolução n. 482/2012”, explica o autor da tese, que contou com a orientação dos professores Ednildo Andrade Torres (Escola Politécnica), Marcelo Santana Silva (Instituto de Física) e Celso Castro (Faculdade de Direito), em abordagem multidisciplinar.

No estudo, são aprofundadas questões como as dificuldades para armazenamento da energia gerada de forma descentralizada, o sistema de compensação e a falta de utilização do instituto de chamada pública (ICP). De acordo com Barroco, o sistema de compensação atual, que deveria ter sido atualizado em 2020, é vantajoso para os usuários que adotam tecnologias que permitem o aproveitamento de fontes de energia renováveis. Por outro lado, isso acaba onerando o sistema como um todo e aumentando o custo da energia para os consumidores que ainda não têm condições de acesso a essas tecnologias. No momento, os dois projetos de lei que estão em discussão no Congresso Nacional para tratar de demandas específicas para o setor não resolvem as questões essenciais levantadas, e, como aponta o autor, apenas prorrogam os subsídios cruzados entre os usuários, que são injustos.

“A análise demonstrou que as propostas existentes para o sistema de compensação, não solucionam questões como o incentivo à utilização da rede nacional como bateria virtual, desestimulando medidas que promovam a coincidência entre geração e consumo, e incremento da flexibilidade, a exemplo da resposta da demanda; e relativa aos subsídios cruzados gerados entre adotantes e não-adotantes, que beneficiam as faixas sociais mais altas em detrimento dos demais usuários do sistema”, complementa.

Segundo o pesquisador, a alternativa proposta pela Aneel retira a atratividade da geração distribuída, implicando expressiva redução de sua expansão e paralisia do mercado de instalação. A principal contribuição da tese, na sua avaliação, consiste em propostas regulatórias que configuram inovações de cunho social (policy e governance), cuja implementação busca promover uma aceleração coordenada da expansão da geração distribuída renovável no setor elétrico brasileiro, através de políticas públicas setoriais que possam conferir mais efetividade em relação ao vetor de descentralização da matriz elétrica nacional, quando comparado aos instrumentos postos à disposição pelo quadro normativo atual.

Conforme pontua Barroco, a reforma do instituto de chamada pública pode vir a ser um instrumento importante para a realização de investimentos que reduzam o valor da conta de energia, bem como configurar um primeiro passo para a construção de um modelo que privilegie o autoconsumo instantâneo e coletivo das energias renováveis geradas localmente.

Privatização da Eletrobrás

Crítico da privatização da Eletrobrás, Barroco vê riscos ao processo realizado em regime de urgência no Congresso Nacional, sem análise das suas implicações. Ele acredita que a privatização resultará, entre outras coisas, na apropriação dos reservatórios para a iniciativa privada, o que, no seu entendimento, deverá encarecer ainda mais a conta de energia para a população e acirrar as questões sobre os usos múltiplos da água. O pesquisador não descarta a possibilidade de novos apagões no país, caso os níveis dos reservatórios não se recuperem no final do ano. O que vai acontecer, de fato, dependerá substancialmente do clima e do regime de chuvas.

O estudo indica que a reforma do arcabouço legal do setor deve contemplar um planejamento que também incentive formas de descentralização da geração e operação do sistema, revendo o papel das distribuidoras de energia, para que passem a ser entendidas como empresas prestadoras de serviços e de soluções energéticas baseadas no paradigma da transição energética, viabilizando a entrega de energia de baixo teor de carbono, além do gerenciamento da demanda, para atender às necessidades energéticas do sistema e de seus consumidores.

Duas propostas de alterações legislativas de caráter incremental e que podem ser aplicadas de modo sucessivo ou contemporâneo são apresentadas: uma é focada na abordagem de integração da geração distribuída realizada a partir do instituto da chamada pública, no qual a concessionária de distribuição é o agente principal; e a outra é baseada em uma abordagem no âmbito do Sistema de Compensação de Energia, com a substituição da geração compartilhada e do autoconsumo remoto, pelos esquemas coletivos de produção e consumo, a saber: autoconsumo coletivo e comunidade energéticas locais, conferindo, neste caso, protagonismo aos usuários.

Projetos comunitários

Em ambas as situações, a interação entre os atores locais e o agente de distribuição é sempre necessária, a fim de que se possa encontrar a solução mais efetiva para o desenvolvimento e integração dos sistemas de geração. De acordo com Barroco, se é a distribuidora que detém o conhecimento da rede e o conhecimento técnico sobre os aspectos da geração, o engajamento e participação dos parceiros locais é imprescindível para correta identificação das necessidades e potencialidades do território, apresentando-se como um catalisador para promoção de um planejamento mais efetivo, com engajamento e aceitação do sistema na comunidade local, conforme demonstram os estudos de caso analisados, dois projetos pilotos de geração comunitária em bairros populares, sendo um em Juazeiro, Bahia, e outro em Bolonha, na Itália.

A contemporaneidade entre produção e consumo da eletricidade localmente otimiza a rede, na medida que reduz o fluxo e portanto o uso da rede. O pesquisador considera que um dos grandes gargalos para ampliação do uso das fontes renováveis intermitentes é justamente a não coincidência entre geração e demanda, o que implica na incapacidade de escoar toda a eletricidade produzida em determinadas áreas para um centro de consumo e na necessidade de haver uma rede cada vez mais robusta.

Sistema de compensação

O sistema de compensação foi introduzido no Brasil pela Aneel, através da Resolução Normativa n.º 482/2012 e reformado em 2015 pela a Resolução N.º 687/2015. Pela sistemática instituída o consumidor pode gerar sua própria energia elétrica, especialmente a partir de fontes renováveis. A eletricidade excedente gerada é cedida à distribuidora local, sendo compensada com o consumo de energia elétrica dessa mesma unidade consumidora ou de outra unidade consumidora de mesma titularidade (mesmo Cadastro de Pessoa Física – CPF ou Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ) em momento posterior.

A compensação ocorre de modo integral, de modo que cada 1kW/h gerado é compensado com igual quantidade consumida, sem importar o momento da geração e o momento do consumo. “Tal sistemática implica no uso do sistema como bateria virtual, sem qualquer ônus para o usuário. Ocorre que energia tem custos diferentes ao longo do dia, não custando o mesmo para o sistema se produzida ao meio dia e consumida no início da noite (durante o horário de ponta). Além disso, quando a geração distribuída faz a compensação na modalidade de geração remota, não se verifica produção e consumo local da energia e, portanto, na prática não se verificam os benefícios desta para o sistema”, explica Felipe Barroco.

Conforme destacou na entrevista, os dois maiores limites do sistema de compensação são o desestímulo a medidas que promovam a coincidência entre geração e consumo e subsídios cruzados entre adotantes e não-adotantes ao se permitir a compensação integral (1kW/h gerado com 1 kW/h consumido), uma vez que os custos com a manutenção e utilização do sistema acabam não sendo pago pelos adotantes, sendo repassados e suportados integralmente pelos os usuários não adotantes dessas tecnologias.

Fonte: Murillo Guerra/Edgard Digital da UFBA